MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS -
MACHADO DE ASSIS (1881)
Considerações Gerais
A ruptura com a narrativa linear:
Os fatos e as ações não seguem um fio lógico ou cronológico,
obedecem a um ordenamento interior, são relatados à medida que afloram à
consciência ou à memória do narrador, num processo que se aproxima do impressionismo.
A organização metalingüística do discurso narrativo:
É comum, na ficção machadiana, que o narrador interrompa a
narrativa para, com saborosa e bem-humorada bisbilhotice, comentar com o leitor
a própria escritura do romance, fazendo-o participar de sua construção; ou
ainda, para dialogar sobre uma personagem, refletir sobre um episódio do enredo
ou tecer suas digressões sobre os mais variados assuntos.
Machado assume a posição de quem escreve e ao mesmo tempo se vê escrevendo. Esses comentários à margem da narração constituem o principal interesse, pois neles está a mensagem artística do escritor.
Machado assume a posição de quem escreve e ao mesmo tempo se vê escrevendo. Esses comentários à margem da narração constituem o principal interesse, pois neles está a mensagem artística do escritor.
O universalismo
Machado captou na sociedade carioca do século XIX, os
grandes temas de sua obra. O seu interesse jamais recaiu sobre o típico, o
pitoresco, a cor local, o exótico, tão ao gosto dos românticos. Buscou, na
sociedade do seu tempo, o universal, a essência humana, os grandes valores
filosóficos: a essência e a aparência; o caráter relativo da moral humana; as
convenções sociais e os impulsos interiores; a normalidade e a loucura, o
acaso, o ciúme, a irracionalidade, a usura, a crueldade.
A pobreza de descrições, a quase ausência da paisagem são
ainda desdobramentos dessa concentração na análise psicológica e na reflexão
filosófica. As tramas dos romances machadianos poderiam, sem grandes prejuízos
à narrativa, ser transplantadas para qualquer época e qualquer cidade.
Os grandes arquétipos
Uma das linhas mestras da ficção machadiana parte do
aproveitamento dos arquétipos, que remontam à tradição clássica e aos textos
bíblicos. (Arquétipo = modelo de seres criados; padrão exemplar; imagens
psíquicas do inconsciente coletivo, e que são o patrimônio coletivo de toda a
humanidade.)
Assim, o conflito dos irmãos Pedro e Paulo, em Esaú e Jacó,
remonta ao arquétipo bíblico da rivalidade entre Caim e Abel; a psicose do
ciúme de Bentinho, em D.
Casmurro , aproxima-se do drama de Otelo e Desdêmona, de
Shakespeare.
O pessimismo
Machado revela sempre uma visão desencantada da vida e do
homem. Não acreditava nos valores do seu tempo e, a rigor, não acreditava em
nenhum valor. Mais do que pessimista ou negativa, sua postura é niilista
("nil" - nada). O desmascaramento do cinismo e da hipocrisia, do
egoísmo e do interesse, que se camuflavam sob as convenções sociais é o cerne
de grande parte da ficção machadiana.
O capítulo final de Memórias Póstumas, o antológico das
negativas, é exemplo cabal do pessimismo do autor:
Capítulo CLX
Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a
celebridade do emplastro, não fui ministro, não fui califa, não conheci o
casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não
comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de Dona
Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras,
qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente
que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado
do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste
capítulo de negativas: - Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o
legado da nossa miséria.
A ironia, o humor negro
A forma de revolta de Machado era o rir; quase sempre um
riso amargo que exteriorizava o desencanto e o desalento ante a miséria física
e moral de suas personagens. Observem o texto:
Daqui inferi eu que a vida é o mais engenhoso dos fenômenos,
porque só aguça a fome , com o fim de deparar a ocasião de comer, e não inventou
os calos, senão porque eles aperfeiçoam a felicidade terrestre. Em verdade vos
digo que toda a sabedoria humana não vale um par de botas curtas.
Tu minha Eugênia, é que não as descalçaste nunca; foste aí
pela estrada da vida, manquejando da perna e do amor, triste como os enterros
pobres, solitária, calada, laboriosa, até que vieste também para esta outra
margem... O que eu sei é se a tua existência era muito necessária ao século.
Quem sabe? Talvez um comparsa de menos fizeste patear a tragédia humana.
Resumo
Memórias póstumas de Brás Cubas conta a história de Brás
Cubas a partir de sua morte, já que inicialmente o próprio narrador observa que
para tornar a narrativa mais interessante e "galante" havia decidido
começá-la pelo fim _ ; ele era, portanto, não um autor defunto mas um defunto
autor _ . Assim, o primeiro capítulo começa justamente com a morte de Brás e
seu enterro _ _ .
A causa de sua morte havia sido, oficialmente, uma
pneumonia, da qual ele não cuidou de forma correta. Entretanto, sua morte de
fato deve-se a uma idéia, segundo ele, grandiosa e útil, uma idéia que se
transformou em fixação. Um
dia de manhã, caminhando pela chácara onde vivia, pensou em inventar um
medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a
melancólica humanidade _ . Para justificar a criação de tal emplasto frente às
autoridades, Brás chamou a atenção de que a cura que traria seria algo
verdadeiramente cristão, além de não negar as vantagens financeiras que tal
produto traria. Contudo, já do outro lado do mundo, confessa que o real motivo
era ver seu nome escrito nas caixinhas do medicamento e em todas as fontes
publicitárias, pois as embalagens levariam seu nome _ _ .
Brás Cubas nasceu no dia 20 de outubro de 1805 _ . Foi uma
grande festa para toda a família. Houve muitas visitas à sua casa e o pai
estava orgulhoso por haver tido um filho homem. Todas as informações dadas são
curtas, mas revelam os mimos recebidos pelo garoto durante toda a infância.
Desde os cinco anos recebera o apelido de "menino diabo". Reconhece
ele mesmo que, de fato, foi um dos mais malvados e travessos de seu tempo. Uma
de suas diabruras foi ter quebrado a cabeça de uma escrava porque ela lhe
negara uma colher de doce de coco, quando o menino tinha seis anos _ . Prudêncio,
um moleque escravo da família, era seu cavalo de todos os dias _ . Brás conta
ainda outras diabruras que fazia, entretanto, nada disso parecia ter
importância para seu pai, que o admirava e, se lhe repreendia na presença dos
outros, em particular lhe dava beijos _ .
Com nove anos, o garoto assistiu em sua casa a um jantar
organizado pelo pai em comemoração à derrota de Napoleão. No final do jantar,
Brás queria uma compota de doces, mas todos estavam distraídos escutando um dos
letrados presentes, o doutor Vilaça, que fazia glosas e recebia, naquele
momento, todas as atenções dos convidados. O menino começou a pedir o doce,
depois gritou, berrou e foi tirado da sala por tia Emerenciana. Isso bastou
para que sentisse uma enorme necessidade de vingança contra o doutor Vilaça.
Ficou vigiando-o até surpreendê-lo numa moita beijando dona Eusébia, irmã de um
sargento-mor. Para que todos soubessem, saiu pela chácara gritando o que havia
visto _ .
Em seguida, após relatar tal episódio, Brás conta que
cresceu normalmente. Foi à escola, que ele chama de enfadonha, onde teve aulas
com um professor de nome Ludgero Barata. É justamente ali que conhece um de
seus melhores amigos de infância, Quincas Borba, com quem se reencontrará mais
tarde. Ambos os garotos revelam-se travessos e mimados, já que o Quincas era
filho único, adorado pela mãe, que o vestia muito bem, mandando um pajem
indulgente acompanhá-lo a todos os lugares.
Passado este período da vida do personagem, sobre o qual ele
pouco fala, revela-nos seu caso com uma prostituta espanhola, a primeira mulher
de sua vida. Brás a conheceu quando tinha dezessete anos. O jovem estava
completamente envolvido pelos encantos da bela Marcela, a quem conseguiu
conquistar, o que, contudo, lhe custou muitas jóias caras e presentes diversos.
Brás confessa-se muito apaixonado neste período, motivo pelo qual o pai o
enviou para estudar na Europa, receoso do envolvimento profundo do filho com
uma prostituta.
Brás Cubas viaja para Portugal, onde estuda _ . Confessa
haver sido um estudante medíocre, mas nem por isso deixou de conseguir o
diploma _ . Nos tempos da universidade, apenas mencionados, preferia sair a
fazer qualquer tipo de tarefa ou estudo. O diploma que lhe conferem estava
longe de representar o conhecimento artificial que havia adquirido,
artificialidade esta que marcou toda sua vida e as ações das pessoas que
estavam à sua volta _ .
De volta ao Rio, Brás chega a tempo de ver sua mãe viva, mas
já muito mal, à beira da morte, por causa de um câncer no estômago. Pela primeira
vez, deparava-se com uma perda real e confessa que até então era um presunçoso
que apenas havia se preocupado por coisas fúteis _ . Estava inconformado com a
morte da mãe, pois lhe parecia uma enorme injustiça que uma pessoa tão santa,
em seu julgamento, pudesse morrer de tão implacável doença. Por isso mesmo,
após a missa de sétimo dia, resolveu passar algum tempo numa velha propriedade
da família localizada na Tijuca. Levou consigo alguns livros, uma espingarda,
roupas, charutos e Prudêncio. Ali ficou durante uma semana, quando então já se
mostrava cansado da solidão e havia decidido voltar à cidade.
Justamente neste momento, o escravo conta ao patrão que na
noite anterior havia se mudado para a casa ao lado uma antiga amiga da família,
dona Eusébia, com uma filha. Brás reluta, não quer revê-la, já que se lembra da
travessura de infância, quando denunciara a mulher e o doutor Vilaça que se
beijavam às escondidas atrás de uma moita _ . Prudêncio, entretanto,
recorda-lhe que fora dona Eusébia quem vestira sua mãe já morta. Ele decide,
assim, visitá-la para retornar em seguida para a cidade.
Nesse mesmo dia, o pai de Brás sobe à chácara, pois quer sua
volta à vida social. Traz consigo dois projetos para o filho: uma candidatura a
deputado e um excelente casamento com uma moça de nome Virgília, filha do
conselheiro Dutra, importante político. Brás reluta, mas o pai não se deixa
vencer. Aconselha o filho, dizendo-lhe que ele não devia ficar ali, era preciso
temer a obscuridade, as coisas pequenas. Conclui dizendo que o fundamental era
valer pelo que a sociedade pensava _ . Brás concorda, finalmente, com os
projetos e diz que descerá no dia seguinte, já que antes precisava visitar dona
Eusébia _ _ .
De fato, a visita à velha amiga da família retardou a descida
de Brás, que permaneceu ainda alguns dias na chácara. Foi ali que conheceu
Eugênia, a quem ele mentalmente chamava "a flor da moita", pois a
jovem era fruto das relações ilícitas entre dona Eusébia e o doutor Vilaça. O
narrador simpatiza com a jovem e, mais que isso, pensa que pode tirar proveito
da situação. Cinicamente, lembra-se de como era a mãe, motivo pelo qual espera
conseguir algo da filha. Consegue, é verdade, beijá-la, entretanto, a moça
revela-se dona de enorme dignidade, o que confunde Brás Cubas. Além disso, ele
descobre que Eugênia tem um defeito de nascença: é coxa. Todos esses aspectos
fazem com que ele confirme que não se deve envolver seriamente com ela, já que,
além de tudo, ela estava em condição social inferior à sua _ .
Resolvido a terminar qualquer tipo de relacionamento, Brás
volta à cidade, disposto a acatar os dois projetos do pai. Conhece Virgília,
começam a namorar e ele está em vias de candidatar-se. Neste ínterim, passa por
um ourives certo dia para consertar o vidro do relógio que lhe havia caído e
depara com Marcela, que agora está com o rosto repleto de bexigas. A beleza de
sua juventude desaparecera, dando lugar à deformação, que o narrador faz
questão de descrever detalhadamente. Aquela visão o incomoda por algum tempo, entretanto
não dura muito, como praticamente todos seus problemas _ .
Algum tempo depois de seu noivado com Virgília, surge, de
repente, Lobo Neves, homem inteligente e astuto, que lhe arrebata Virgília e a
candidatura. O pai não resistiu ao fracasso do filho, o que teria acelerado sua
morte, quatro meses depois, tempo durante o qual ele repetia decepcionado a
expressão "Um Cubas", inconformado com a sorte do herdeiro da
família.
Passada a morte do pai, os irmãos Brás e Sabina, com a
participação de Cotrim - marido de Sabina -, fazem a partilha dos bens. Arma-se
uma grande e mesquinha discussão, os dois brigam por causa da herança deixada
pelo pai, desde propriedades até a prataria, motivo de grande desavença, pois
nenhum dos irmãos queria abrir mão da antiga relíquia da casa, usada em
ocasiões importantes como o jantar em comemoração à derrota de Napoleão. No fim
da disputa, os dois irmãos saíram brigados e já não conversavam entre si.
Por esta mesma época, Brás recebe de Luís Dutra, um primo de
Virgília, a notícia de que ela estava voltando de São Paulo com o marido, então
deputado. Encontram-se um dia e ela estava lindíssima _ . Algum tempo depois,
como haviam se encontrado em dois outros bailes, o marido de Virgília convidou
Brás Cubas para uma reunião íntima em sua casa. Brás, por essa época, escrevia
textos literários e políticos em um jornal. Foi justamente nesta noite que os
dois antigos noivos tiveram um maior contato. A partir daí, reataram sua antiga
união, sobre a qual o narrador relata vários encontros e a paixão que sentiam
naquele momento _ .
Certo dia, foi à casa de Virgília e encontrou-a triste, pois
lhe parecia que seu marido desconfiava de alguma coisa. Para Brás, a melhor
maneira de resolver o problema era que fugissem, mas Virgília não concordou. O
marido chegou justamente nesse momento, e ela comportou-se como se nada
houvesse acontecido, tratando friamente a Brás, o que lhe dá um terrível ódio
de Virgília. No dia seguinte, ela o procurou com a idéia de que eles deveriam
arrumar uma casinha onde se encontrariam, um lugar que seria só deles, já que
sempre se encontravam na presença de outras pessoas, principalmente do marido .
A casinha da Gamboa foi, de fato, a saída encontrada pelos
amantes para que pudessem continuar seu romance, pois grande parte da sociedade
desconfiava de que havia algo entre os dois, por isso os comentários estavam
cada vez maiores. Assim, a casinha foi importantíssima. Ali colocaram, D.
Plácida, uma velha senhora amiga da família de Virgília e podiam encontrar-se com
maior tranqüilidade _ .
Algum tempo depois, entretanto, Lobo Neves foi convidado a
ocupar uma presidência da província no Norte. Os amantes ficaram desesperados,
mas a saída foi dada pelo próprio marido, que convidou Brás a acompanhá-lo como
seu secretário. Estava ainda relutante, pois toda a gente comentava seus amores
com Virgília. Entretanto, o próprio Lobo Neves resolveu o problema ao recusar a
nomeação. Tudo porque o decreto que o nomeava trazia o número 13, que ele
considerava fatídico por vários acontecimentos tristes de sua vida _ . Dessa
forma, o casal continuou vivendo seu relacionamento da mesma maneira que antes,
na casinha da Gamboa.
Durante tais acontecimentos, Brás Cubas se reencontra com
Quincas Borba, que está em uma situação deplorável, tornara-se um mendigo.
Quincas acaba roubando o relógio de Brás Cubas neste encontro. Ainda nesse
período, ocorre a reconciliação com a família, motivo de alegria para o
narrador, que volta a visitar regularmente a irmã Sabina. Ela, como sempre,
continua insistindo na idéia de que Brás precisava se casar, um homem em sua
posição não podia continuar sem um herdeiro para o nome da família.
No entanto, o amor de Brás Cubas e Virgília, neste momento,
vive seu ponto máximo, já que ambos haviam passado pela possibilidade de
separação em virtude da nomeação de Lobo Neves, o que fortaleceu o sentimento
que os unia. Além disso, Virgília disse estar grávida. Brás não perde a
oportunidade de comentar que aquele era um embrião de "obscura
paternidade", imaginava-o como sendo seu filho, dono de um belo futuro,
vendo-o ir à escola, tornando-se bacharel e discursando na câmara dos deputados
_ .
Contudo, Virgília perdeu o filho que estava esperando. Além
do mais, o marido recebeu uma carta anônima acusando os dois amantes. A mulher
negou veementemente que aquilo pudesse ter qualquer fundo de verdade, mas como
Lobo Neves ficara desconfiado, Brás afastou-se da residência do casal, mesmo
porque o espaço da Gamboa continuava resguardado. Algum tempo depois, Lobo
Neves acabou reatando suas relações com o Ministério, desgastadas devido à sua
recusa em aceitar o cargo anterior, conseguindo desta vez uma posição de
presidente de província. O narrador brinca com o número do decreto, 31 agora,
ressaltando que a simples inversão dos algarismos bastou para que a vida
tomasse novo rumo.
Brás e Virgília mantém um curto diálogo antes da partida,
despedem-se e ele conta que depois que ela viajou sentiu um misto de alívio e
saudade em doses iguais. Não houve desespero, nem mesmo dor, o fato trouxe-lhe
apenas alguns poucos dias de reclusão em sua casa e uma pequena amostra do que
era a viuvez. Morreram seu tio cônego, Ildefonso, e dois primos, pelos quais
ele não sofreu. Também nasceu sua segunda sobrinha. Segundo ele, esta era a
filosofia das folhas velhas, que caem e morrem, enquanto outras nascem. Ele
mesmo agitava-se de quando em quando e recorria às suas cartas de juventude _ .
Tal reclusão, entretanto, como qualquer de seus pensamentos
mais profundos, passou rapidamente, em especial pelo reaparecimento de Quincas
Borba e seu envolvimento com Dona Eulália, chamada familiarmente de Nhã-Loló. A
jovem tinha dezenove anos, era filha de Damasceno, faltava-lhe certa elegância,
segundo Brás, mas tinha belos olhos e uma expressão angelical. O narrador
conheceu-a ainda quando Virgília estava no Rio de Janeiro e estava grávida.
Sabina insistia na idéia de que Nhã-Loló seria uma excelente esposa para o
irmão, que se esquivava por aquela época. Entretanto, quando se deu conta,
estava praticamente nos braços da jovem e acabaram ficando noivos três meses
após a viagem de Virgília. Acontece, porém, que a jovem morreu repentinamente,
antes do casamento, fato que nos vem anunciado não pela voz do narrador, mas
sim pela apresentação do epitáfio _ _ _ .
Em relação ao Quincas Borba, ele reaparece após ter recebido
uma herança e voltado a ocupar boa posição social. O narrador observa que o
amigo está com um comportamento um pouco estranho. Quincas defende uma
filosofia criada por ele mesmo, o Humanitismo. Diz o filósofo que o mundo é uma
projeção de Humanitas, que seria a substância de todas as coisas existentes, da
qual elas emanam e para a qual convergem. Dito de outra maneira, para ele,
todos os homens são iguais entre si, já que trazem consigo uma parte da tal
substância original e todas suas atitudes têm uma explicação que busca o
equilíbrio do mundo, mesmo que por meio da guerra e da violência, já que tudo
deve voltar para onde começou.
Nesse sentido, ainda na visão do filósofo Quincas Borba,
mesmo aquilo que nos parece negativo tem uma função essencial. Segundo o seu
sistema, a dor e o sexo são excluídos do mundo, enquanto a guerra, a fome e
outras formas de violência existem para que o meio possa selecionar aqueles que
são mais fortes _ . Os mais fracos não sobrevivem e assim deve ser. Além de
tudo, devem sentir-se felizes também, já que estão tomando parte do sistema do
Humanitas. Em outros termos, estes mais fracos, mesmo derrotados, estariam
servindo, de alguma maneira, ao princípio do qual descendem, que prevê tais
injustiças como forma de equilibrar o mundo ou até mesmo de quebrar a monotonia
universal _ _ .
Brás Cubas, desde que conhece os princípios do Humanitismo
até o final de sua vida, esteve tentando entender melhor tal sistema, sempre
relacionando-o a algum acontecimento cotidiano de sua vida, questionando sua
validade ou não. Articula, então, uma série de teorias e preocupações
filosóficas, presentes inclusive em seu delírio _ . Ali também o onça mata o
novilho, pela sua sobrevivência, o mais forte vence o mais fraco. Segundo o
Humanitismo, não há outra saída par a existência, de maneira que mesmo as
coisas negativas devem ser vistas como necessárias e justificadas, por fazerem
parte do sistema universal, por saírem daquela tal substância básica da qual
saímos todos e para a qual voltaremos, segundo Quincas Borba.
Quincas será uma personagem com quem Brás se encontra muitas
vezes a partir desse momento até a sua morte. Quanto à vida diária, depois de
algum tempo Brás tornou-se deputado e Lobo Neves voltou ao Rio. Ambos estavam
na mesma câmara e Brás ouvia um discurso proferido pelo marido de Virgília. Não
sentiu nenhum tipo de remorso e reencontrou a antiga amante num baile em 1855.
Observou que continuava muito bonita, ainda que fosse, claro, uma beleza
diferente. Os dois conversaram muito, mas sem falar do passado. Brás teve
alguns momentos de reflexão e uma certa tristeza. Tinha cinqüenta anos! Mas o
Quincas garantiu-lhe que ele não poderia estar preocupado, já que era a idade
da ciência e do amadurecimento. Brás decidiu então que participaria de maneira
mais ativa das discussões, já que tinha sido sempre um político afastado dos
problemas, assim como o era na vida pessoal. Almejava o cargo de ministro,
coisa que também não conseguiu e nem mesmo a explicação através de Humanitas
que lhe deu Quincas foi capaz de animá-lo.
Passado algum tempo, Brás recebe uma carta de Virgília
pedindo-lhe que vá ver Dona Plácida, que está morrendo na miséria. Ele pensa
recusar, mas acaba indo, ajuda a mulher que lhe serviu de alcoviteira durante
tanto tempo. Morre Dona Plácida e Brás decide fundar um jornal, que era uma
aplicação política do Humanitismo. Era um jornal oposicionista, o que preocupou
Cotrim, que rompeu relações com o cunhado. Algum tempo depois, morreu Lobo
Neves, Brás Cubas reconciliou-se novamente com o cunhado e filiou-se a uma
Ordem Terceira, responsável por ajudar as pessoas necessitadas. Cansou-se
depois de alguns meses. Na Ordem Terceira encontrou Marcela, que morreu no
mesmo dia em que ele visitava um cortiço no qual encontrou Eugênia, segundo
ele, tão coxa como a deixara e ainda mais triste _ _ .
Finalmente, Brás conta que Quincas Borba partiu para Minas
Gerais algum tempo antes e, ao voltar, estava louco. E, o mais triste e
paradoxal, tinha consciência de sua loucura. O narrador explica que entre a
morte do Quincas Borba e a sua aconteceram os episódios narrados no começo do
livro, em especial a idéia fixa da criação do emplasto Brás Cubas. Conclui sua
longa e entrecortada narrativa através de um capítulo que busca resumir a vida
pela negação: não alcançou a celebridade, não foi califa, não se casou, não foi
ministro. Entretanto, observa que a negação também pode ser positiva: não
padeceu a morte de Dona Plácida ou a demência do Quincas Borba. Assim, alguns
leitores até poderiam imaginar que ele saiu quite com a vida. Mas não. A
negativa última revela o ceticismo do narrador em relação ao mundo diz que ao
não ter tido filhos seu saldo foi positivo, pois assim não transmitiu a nenhuma
criatura o legado de nossa miséria.
Personagens
Brás Cubas - narrador - morto aos 64 anos - “ainda próspero e rijo”,
fidalgo
Marcela - Segundo grande amor de Brás Cubas, uma prostituta de
elite, cujo amor por Brás duraria quinze meses e onze contos de réis.
Virgilia - filha do comendador Dutra, segundo o pai de Brás, Bento
Cubas A “Ursa Maior” amante de Brás Cubas casa-se com Lobo Neves por interesse.
Quincas Borba - menino terrível que dava tombos no paciente professor
Barata, colega de escola de Brás que o encontrará mais tarde mendigo que
rouba-lhe um relógio mas retorna-o ao colega após receber uma herança.
Desenvolve a filosofia do humanismo: “Ao vencedor as batatas ao vencido ódio ou
compaixão”.
Eugênia - Filha de Eusébia e Vilaça, menina bela embora coxa.
Nhá Loló - moça simplória, tinha dotes de soprano - morre de febre
amarela..
Cotrim - casado com Sabina, irmã de Brás; ambos interesseiros
Nhonhô - filho de Virgília
D. Plácida empregada de Virgília confidente e protetora de sua relação
- extra conjungal
Lobo Neves - casado com Virgília, homem frio e calculista.