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sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

REDAÇÃO NA UNESP: COMO DISSERTAR TEMAS FILOSÓFICOS

SUGESTÃO DE LEITURAS PARA TEMAS FILOSÓFICOS
Amor
Os filósofos da Antiguidade Clássica dispensaram uma notável atenção ao estudo das relações
humanas, assim dedicaram-se a escrever inúmeros tratados acerca do amor. Este ocupou a mente de estudiosos que jamais entraram em desacordo sobre o fato de ele ser um valor humano, um presente cedido pelos deuses para amenizar as angústias humanas. Todavia nunca houve consenso acerca dos benefícios do amor erótico.
Este foi alçado por alguns pensadores à condição de sentimento nobre, que encaminha a uma realização pessoal plena e feliz, outros o reduziram a evento que promove as desgraças de homens e mulheres.
Indubitavelmente, sãos muitos os méritos dos laços amorosos, uma vez que os homens foram fadados a
viver em coletividade, porém sempre atormentados por um imensurável vazio existencial. Este passou a ser
preenchido pelos amores, elevados à condição de extensão de nossas próprias existências, são a eles que
dedicamos desejos secretos e esperamos uma correspondência à altura de nossas expectativas.
Por mais que se defendam as variadas manifestações amorosas — amar os amigos que nos livram da
solidão, as famílias que nos amam incondicionalmente, amar a Deus e ao próximo —, os humanos têm-se
curvado, ao longo de suas aventuras na terra, ao Eros. O sonho é encontrar no amado a felicidade de
compartilhar a própria subjetividade, gozar de prazeres que não são comparáveis aos proporcionados por
nenhuma riqueza material.
Na concepção dos pessimistas, os amores são efêmeros e dominados por uma relação de posse, uma
neurose protagonizada pelos ciúmes comuns nos indivíduos ligados pelo erotismo, implicam uma fagocitação do outro, cerceiam a liberdade, promovem o narcisismo exacerbado, não estão baseados na tolerância diante daquele que amamos. Deste não suportaríamos intempéries e posturas tresloucadas, estas jamais seriam concebíveis no objeto de nosso desejo erótico.
Os crentes nessas concepções não conhecem a capacidade de tolerar desenvolvida pelos amantes.
Estes são capazes de suportar todas as insanidades quando estão envolvidos em uma relação que julgam ideal, pois mesmo que sejam levados ao sofrimento, sofrem acreditando na recompensa final. Ademais, poucos desejam laços amorosos serenos, sem abalos, o que se idealiza é o arroubo das paixões que, na modernidade, não são distintas dos amores tresloucados.
Certamente, em tempos de egocentrismo exacerbado e do apego aos bens materiais, contar com a
presença de indivíduos com quem possamos estabelecer uma convivência amorosa é a prova de que somos
virtuosos, e reconhecemos que nenhuma fortuna ou glória comparam-se ao bem de ser amado. E somente os dotados de virtude irão promover a aproximação do outro, uma vez que a falta de valores afasta os verdadeiros amores e atrai somente os bajuladores.
Diante de tudo isso, fica claro que relações amorosas, além de significarem a expressão de nossa
emotividade, figuram como um recurso para que possamos transcender os limites de nossa realidade minguada, sempre ameaçada pela solidão comum nesses tempos tão sombrios. Se os precursores da filosofia sempre se ocuparam em ensinar para os homens como o amor é valoroso, cabe a nós não esquecermos a sábia lição: é preciso amar sempre, “pois qualquer maneira de amar vale a pena, qualquer maneira de amar valerá”.

As faces da caridade nas sociedades pós-modernas
Nestes tempos de extremas carências sociais, volta-se a discutir o valor da caridade. Esta é uma virtude
do ser humano, representada pelo ato de ajudar os necessitados sem que o caridoso receba qualquer
recompensa, oferecendo ajuda pautado apenas em uma conduta altruísta, em uma generosidade desprovida de qualquer interesse.
O fato é que mesmo diante das tragédias dos despossuídos, muitos enxergam no ato caridoso uma
forma de buscar autopromoção na sociedade. Valendo-se da máscara de generosos, fingem querer combater os males dos que vivem na pobreza, porém conseguem lucrar com as doações e ganharem status até mesmo na mídia, e são tratados como celebridades caridosas.
Certamente, diante de tantas misérias, toda forma de caridade representa amenizar, ao menos
momentaneamente, a fome de muitos, protegê-los de uma morte certa. Todavia é preciso combater a exploração da miséria, usada como mote para campanhas de socialites que fingem uma preocupação social, quando desejam apenas vender uma imagem lucrativa: um cidadão que se mobiliza pelo próximo e merece o
reconhecimento social.
Essa distorção do ato de fazer caridade é resultado do empobrecimento das relações humanas, de uma
decadência dos valores e das virtudes em uma época em que nada resiste às tentações da fama. Hoje, morrer no anonimato parece pior que a própria morte, assim muitos veem na ação social uma forma de se livrar de ser apenas mais um desconhecido. Além disso, o dinheiro é um ícone desta pós-modernidade, e muitos fazem vultosas doações para campanhas assistencialistas, coordená-las, então, pode atrair polpudas comissões.
O pior são as empresas dissimuladas sob o slogan do “socialmente responsáveis”. Estas patrocinam uma
causa, como a campanha contra a fome, porque sabem que muitos consumidores preferem comprar produtos que tenham a marca da generosidade. Com isso, elas aumentam consideravelmente seus lucros e ainda conseguem notáveis abatimentos ao pagar seus tributos ao Estado.
Inegavelmente, ainda existem indivíduos e instituições que cultivam a caridade como virtude. Doam-se ao
outro simplesmente porque acreditam que podem amenizar a angústia de quem nada tem, sacrificam-se em uma ajuda e nada esperam receber como recompensa. A motivação implica o altruísmo e o desejo de mudar uma situação de injustiça. Muitos ficam anônimos e recusam-se a declarar o valor de suas contribuições. Estes, infelizmente, são minoria, não perderam suas virtudes e acreditam no senso de coletividade.
Ao mesmo tempo, os falsos caridosos tentam resguardar os próprios interesses, não se comovendo
com as carências disseminadas pelo mundo, porque o ideal é assegurar apenas a própria sobrevivência e doar-se a causas sociais somente quanto isto puder elevá-los ao status de sujeitos a quem todos os cidadãos devem fazer reverências.

A liberdade e a autonomia dos indivíduos são uma mera ilusão?
A liberdade ilimitada e o exercício da plena autonomia constituem um ideal constante buscado pelas
sociedades contemporâneas. Essa busca leva a crer que os cidadãos destes tempos são guiados pela
concepção aristotélica, segundo a qual “é livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou não agir, isto é, aquele que é causa interna de sua ação ou da decisão de não agir. A liberdade é concebida como o poder pleno e incondicional da vontade para determinar a si mesma ou para ser autodeterminada. É pensada, também, como ausência de constrangimentos externos e internos, isto é, como uma capacidade que não encontra obstáculos para se realizar, nem é forçada por evento algum para agir.”
Inegavelmente, Aristóteles não desconsiderou o fato de que somos cerceados pelas regras da
convivência social, sem as quais seria impossível uma existência harmoniosa com o grupo, em nome da qual
sacrificamos nossos desejos de agir livremente e gozar de uma postura totalmente autônoma e, desse modo, fica evidente que liberdade e autonomia são uma mera ilusão. Também é inegável que a racionalidade não permite guiar nossos atos sem avaliar os impactos que, socialmente, teriam, principalmente o risco de se sofrer uma exclusão da comunidade.
Assim, parecemos livres e autônomos para tomar decisões acerca da vida privada e desfrutamos de um
direito de ir e vir desde que estas práticas não ultrapassem os limites da interferência na vivência coletiva e dos territórios marcados por fronteiras fortemente vigiadas. Seguimos por cursos pré-estabelecidos: inicialmente cabe à família limitar nossos trânsitos e escolhas, depois surge a escola como um mecanismo controlador, na qual somos encarcerados, vigiados e condenados a ficar restritos ao espaço de nossos assentos. E no trabalho seremos controlados por uma lógica que obedece a uma meta de superprodução, de resultados eficientes.
Na modernidade, Focault define essa sociedade do controle como obediente à organização prisional.
Esse respeitado pensador francês faz cair por terra todas as ilusões sobre nossa condição de sujeitos autônomos e livres, porque expõe a interferência nas decisões mais privadas, a partir de sistemas de vigilância em todas as searas. Estes, quando não são explícitos na forma de câmeras que filmam espaços públicos e particulares, são sutis, seguindo nossos passos na Internet e na programação da televisão por assinatura, no perfis traçados quando consumimos. O mais grave é que há uma manipulação acerca das escolhas: quando podemos optar livremente, acabamos seguindo o desejo da maioria, adquirindo produtos que nos condenam a uma total perda de nossa originalidade subjetiva.
De fato, não somos livres e autônomos naquele ideal aristotélico, apenas idealizamos essa condição
enquanto somos pressionados e vigiados nas mais prosaicas situações de nossa parca existência. Ao mesmo
tempo, ficamos resignados com esses controles e vigilância acreditando que são imprescindíveis para o convívio harmonioso com a coletividade. Acatamos imposições, leis e normas que asseguram o desenvolvimento do processo civilizatório e exercemos nossas ilusórias autonomia e liberdade segundo determinações das mais variadas instituições a que somos submetidos.

Gosto se discute?
No campo da subjetividade, encontram-se questões dotadas de imensurável complexidade. E destas
ocupou-se ao longo dos séculos a filosofia, cuja dedicação ajudou-nos a compreender melhor a natureza
humana, os conflitos travados quando conceitos acerca do bem, mal, justo, injusto, certo, errado, belo e feio são perfilados. Em nome das intricadas controvérsias nascidas nesses aspectos de ordem subjetiva, reza a crença popular que “gosto não se discute”.
Certamente, tal discussão pode conduzir a polêmicas intermináveis e diante das quais não haverá
consenso, porém discutir as preferências representa um exercício de reflexão acerca da formação dos indivíduos, suas crenças e valores. É uma forma de conhecer o outro, o que permite uma aproximação maior com aqueles que julgamos mais compatíveis com nossos estilos.
Além disso, pode representar uma prática para desenvolver a tolerância com aquilo que julgamos fora
dos padrões sociais, pois ouvir os argumentos alheios sobre os elementos que determinam os gostos pode nos levar a uma compreensão sobre as escolhas dos indivíduos. Assim, o que causava estranheza a nossos olhares pode ser desvendado a partir das justificativas que nos foram apresentadas.
Essa discussão, porém, não significa uma disputa para acusar o outro de ser dotado de mau gosto,
também não deve conduzir a uma pretensa superioridade a partir de uma eleição sobre um pretenso bom senso ao se fazer escolhas. O ideal é observar a relatividade de todos os elementos envolvidos na seara subjetiva: o belo para alguns pode ser abominável para tantos outros.
Refletir sobre essa relatividade também conduz a uma identificação do que é o grotesco, como
mutilações do corpo com perfurações de metais que causam extrema dor, espetáculos circenses que maltratam anões, além de vítimas de graves anomalias físicas. É consensual a afirmação de que gostar dessas práticas foge de um padrão de conduta socialmente aceitável.
Considerar as preferências pessoais passíveis de discussão também é alertar contra os riscos das
padronizações impostas pelos veículos de comunicação de massas. Em nome da lógica capitalista, todos devem gostar dos mesmos eventos, o que é altamente lucrativo: vende-se um padrão e condena-se tudo aquilo que foge das imposições da mídia. E discutir os gostos dos espectadores os conduz a pensar se realmente tal exibição é útil, é agradável, ou apenas houve uma manipulação para que fossem entendidas como tal.
Em suma, a máxima segundo a qual “gosto não se discute” é uma estratégia para calar os que pensam
diferente do paradigma socialmente instituído, serve apenas para abrandar os embates ideológicos que muito
têm contribuído para a formação do senso crítico, é uma forma de encerrar um exercício de debate quando um dos oponentes vê-se totalmente desprovido de argumentos.
Assim, esse dito popular não deve ser tratado como verdade e alardeado como mecanismo para provar
que questões subjetivas são inflexíveis e não permitem abordagens coletivas. E a prova de que o gosto deve ser discutido sempre são os inúmeros tratados dos filósofos que iluminam as pesquisas dos mais variados
estudiosos da natureza humana.

A vingança é necessária para solucionar os conflitos sociais?
O desejo de vingança é inerente à condição humana e, segundo rezam as lendas da mitologia, também é
atributo dos deuses. Zeus vingou-se daqueles que os desafiaram: Prometeu foi punido porque distribuiu o fogo entre os homens, sendo condenado a ter o fígado devorado por um abutre por toda a eternidade; Atlas, por ter participado da guerra contra o deus do Olimpo, recebeu a condenação de carregar o mundo nos ombros. E depois de tantos séculos, alguns pensadores ainda acreditam que se vingar é uma forma de resolver os conflitos sociais.
Essa crença, na verdade, não encontra qualquer justificativa na modernidade, quando os impasses
criados na sociedade podem ser solucionados apenas com aplicação da justiça, coerente e igual para todos. Esta está apta a corrigir os males valendo-se de mecanismos que obedeçam a uma proporção ao aplicar-se o castigo, impedindo punições demasiadamente rigorosas que, segundo os ideais de alguns, são exemplares para que outros não venham a cometer o mesmo mal.
Nota-se, assim, uma confusão de conceitos: vingança e justiça são tratadas como iguais. E uma vez que
tal confusão se instala, tem-se o risco de uma ameaça à ordem dos grupos sociais, pois a “justiça com as
próprias mãos” é eleita como razoável, linchamentos e torturas seriam aceitáveis contra torturadores e
praticantes de crime violentos.
Neste contexto, a vingança surgiria como alternativa ao sistema judiciário, o que perpetuaria a violência e
conduziria a sociedade a um estado de barbárie, quando os conflitos só podem ser resolvidos empregando-se os mecanismos civilizatórios. Estes implicam o respeito às regras sociais, a condenação da agressividade — já que esta é irracional — e a aplicação dos direitos humanos.
Certamente, nos tempos presentes, não se pode oferecer a outra face para ser esbofeteada, por outro
lado, aquele que se vinga não é virtuoso, pois não pode haver qualquer virtude quando se tem prazer em causar o mal a outro. Além disso, uma vida inteira dedicada a uma ação vingativa é desperdiçar uma existência em nome de uma perseguição vil, atroz e promotora de muitas tragédias; muitas famílias foram dizimadas quando seus membros travaram guerras com famílias inimigas, vingando-se morte após morte.
 Mesmo sendo indissociáveis homens e a vontade de vingar-se, é preciso compreender que estar
civilizado é não se entregar às vontades, é seguir os ditames das legislações que regem a vida social. E quando a violência é um flagelo implacável, a premissa de que a vingança é aceitável é ameaçadora, pois os cidadãos podem crer que devem prescindir das autoridades e dos mecanismos legítimos para a punição dos criminosos. E uma vez que houver tal desordem, nem os deuses do Olimpo poderão resgatar a paz na sociedade.

A felicidade se compra?
A felicidade plena é o ideal de vida da maioria da população global, afastada cada vez mais da realização
desse desejo em nome das tragédias que assolam o mundo hoje. Dentre esses acontecimentos trágicos está
miséria, que figura entre as principais causas da infelicidade no planeta. Assim, é sempre hipócrita a afirmação
de que o dinheiro não deixa os indivíduos mais felizes. A privação total de recursos financeiros não pode
proporcionar muitos momentos de alegria a alguém. Ao mesmo tempo, o excesso dele pode conduzir a uma
angústia constante causada por um consumismo doentio.
Inegavelmente, mais capital é garantia de um grande aumento de felicidade quando se é pobre, todavia
cada dólar a mais faz cada vez menos diferença a partir do momento em que as necessidades básicas das
pessoas foram satisfeitas. São muito mais importantes bens não materiais, tais como um casamento feliz e
passar tempo com aqueles que se ama. Uma vez que o cidadão já acumulou o suficiente para saldar todas as
dívidas e ainda ter uma reserva para uma emergência, o caminho que leva à felicidade é trabalhar menos,
aceitando receber menos, em troca de mais tempo livre para passar com familiares e amigos.
O pior é que apesar de estarem mais ricos, mais saudáveis e em maior segurança do que nunca e de
gozarem mais liberdades e oportunidades, muitos continuam a se queixar dos índices crescentes de depressão e
suicídio, da criminalidade, do fato de os bons modos estarem caindo em desuso, da obesidade, dos maus
motoristas, do abuso de drogas, da hipercompetitividade, do materialismo crescente. Prova de que, no Ocidente,
o aumento da produção econômica e do consumo já deixou de ser acompanhado por um aumento no índice de
felicidade das pessoas.
A verdade é que embora os humanos queiram ser felizes, nada no mundo foi feito para isso, e aos
poucos eles têm de se satisfazer em não ser infelizes. Segundo Freud, o mal-estar na civilização é estrutural e
não conjuntural, razão pela qual nenhum projeto pode suprimir o lado trágico da experiência humana. No
entanto, desde que os homens vivem em sociedade, nunca deixaram de sonhar com isso. Todas as utopias
sonharam com um mundo onde se pudesse ser feliz, e a tragédia é que, quando elas se realizaram , como no
caso do socialismo real, terminaram pelo pior. Não há um mínimo para ser feliz, mas ser capaz de amar e de
trabalhar já representa um considerável passo a uma existência mais alegre. É difícil ser feliz quando se passa
fome. É preciso ter asseguradas mínimas condições de humanidade para se discutir felicidade.
Vale lembrar que o sentimento de felicidade faz parte do conceito de bem-estar subjetivo utilizado pelas
ciências sociais para descrever tudo aquilo que nos proporciona sensações prazerosas e nos faz sentir bem.
Dificilmente, no entanto, o bem-estar subjetivo é alcançado sem que antes o sujeito tenha conquistado o bemestar
objetivo, aquele composto de bens materiais que tornam nossa vida mais confortável. Pesquisas indicam
que um indivíduo satisfaz suas necessidades materiais e extrai o máximo de felicidade dos primeiros 40 mil
dólares que consegue acumular. Depois disso, mais dinheiro compra muito pouco felicidade. Passada a barreira
mínima, o ideal é que as nações e os povos tenham liberdade de decidir que rumo seguir para chegar ao ideal de
felicidade.
O fato é que utopia de uma sociedade menos materialista está longe de se concretizar. O poder sedutor
do capitalismo é enorme e, graças à globalização, hoje estende seus tentáculos pelos quatro cantos do mundo.

Durante toda a história da humanidade, a escassez foi o principal problema econômico a ser atacado. O
capitalismo aliviou o problema da escassez — não distribuiu os resultados muito bem, mas aliviou a pobreza de
uma maneira que nenhum outro sistema econômico conseguiu. Como resultado, a ideologia capitalista dominou
a imaginação dos indivíduos e será preciso uma revolução cultural para que os homens aprendam a usar o
mercado não só para manter a qualidade material de vida, mas para ir além: para ser feliz e desenvolver o seu
potencial. Antes disso, é preciso garantir à maioria condições econômicas não para comprar a felicidade, mas ao
menos para não ficar constantemente infeliz diante da face perversa da miséria.
Adaptação dos textos “Materialismo ameaça nosso bem-estar”, Richard Tomkins, e “Onde se busca a felicidade”, Flávia Pardini.
Especial, Carta Capital. 12 março de 2004.

A ambição em nossas relações com o mundo
Um dos traços mais peculiares desta era atual, que se convencionou chamar de pós-modernidade, é o
extremo apego aos bens materiais. De fato, desde as primeiras civilizações, o ouro já exercia um imenso
fascínio em homens e mulheres. Mas hoje a paixão pelo dinheiro implica um sentimento coletivo, uma obrigação
da qual poucos conseguem fugir. É nesse contexto que a ambição deve ser avaliada. Condenada no passado
como evento que conduzia os indivíduos à danação total, nestes tempos capitais foi alçada à condição de virtude,
elemento essencial para os que desejam exultar no concorrido mercado.
Uma vez que ambiciosos são comparados com sujeitos virtuosos, surge um campo no qual tudo é
permitido em nome de satisfazer todos os desejos. Estes são tratados como manifestações naturais ao humano,
mesmo que sejam desmedidos, pautados em uma implacável cobiça. Assim, aquele que não alimentar vontades
vorazes a todo momento não tem o perfil de quem chega ao ápice no capitalismo.
Com isso, as pessoas não têm pudor de assumir as tantas ambições que povoam suas mentes. São
comuns em entrevistas — seja na mídia impressa ou televisa — depoimentos de celebridades, que galgaram os
degraus da fama e da riqueza material, de que desejam conquistar cada dia mais riquezas. E essa honestidade
baseada no discurso do amor despudorado pelo dinheiro ganha a simpatia de muitos cidadãos desejosos das
mesmas conquistas, como o prova uma legião de fãs desses pretensos artistas.
Ao que parece, os desprovidos de ambição não têm lugar no mundo hoje, pois se encaminham ao
fracasso reservado para quem não tem o sonho da ascensão material. E não faltarão apologias para os
benefícios do ato de ambicionar: ser um igual na competição desmedida em todas as searas (amor, mercado de
trabalho etc). Os supostamente éticos defenderão que toda ambição é uma virtude quando não for desmedida,
não ameaçar as regras de uma convivência harmoniosa no grupo social.
O que esses incautos apologistas não percebem é que não se pode combinar ambição com ética, já que
a primeira pressupõe ultrapassar todas as barreiras para se alcançar as metas para o sucesso individual. Na
tentativa cega de ser reconhecido como homem ou mulher que despertem inveja naqueles que nada têm, não
importam a solidariedade e o respeito pelo rival. No jogo dos ambiciosos, vale tudo para aniquilar o outro: fazer
intrigas, caluniar, roubar ideias e empurrar o “inimigo” ao rol dos fracos que não suportam competir com
máquinas programadas para ganhar sempre. Realidade comum a muitas megacorporações que demitem a todo
momento os funcionários taxados como pouco ambiciosos.
A verdade é que os cidadãos que não se deixam levar pelas ilusões do capital conhecem as muitas
armadilhas de que são vítimas os ambiciosos. Uma delas é o risco de uma infelicidade constante, porque eles
almejam sempre mais do que podem alcançar. Também podem mergulhar em uma solidão irrevogável, pois os
que compactuam com suas intermináveis ambições não se aproximam de seus concorrentes sem intenções de
tirar vantagens dessa relação. E desesperados por alcançar o ápice de todos os feitos permitidos aos que têm
ambição, passam mais tempo desejando do que gozando de suas conquistas.
Diante de tudo isso, não é possível glorificar a ambição. Se esta ficasse restrita ao cenário das
realizações pessoais (ser reconhecido como uma imagem de virtude ou de profissional transformador das
realidades sociais tão tristes em todo o mundo), poderíamos crer que todo ambicioso é, de fato, um sujeito
virtuoso. Porém, como ambicionar implica, hoje, necessariamente, almejar todas as riquezas que se possa
lograr, a ambição é um mal que afeta duramente nossas relações com o mundo. Esse sentimento desprovido de
nobreza pode nos conduzir a todos os caminhos trilhados pelos infelizes e angustiados que não conseguem mais
conviver sem travar intermináveis duelos entre a realização pessoal e a material.

A preguiça é sempre um mal?
Na concepção de muitos estudiosos, a modernidade implicou — entre tantas transformações ocorridas
nos planos social e econômico — furtar do homem o direito de gozar de uma vida tranquila, sem atribulações e
compromissos que não podem ser negligenciados. E uma vez que a tranquilidade passa a ser perseguida pelas
exigências de acompanhar o suposto desenvolvimento promovido pelo capitalismo, a preguiça foi perseguida de
modo implacável, reduzida a evento que conduz os indivíduos à danação total.
Se, na Antiguidade Clássica, a preguiça conquistou o status de presente dos deuses — como afirmaram
inúmeros poetas daquele tempo glorioso —, hoje é classificada como manifestação própria de homens e
mulheres desprovidos de virtudes. Se os preguiçosos já eram perseguidos pelos dogmas do cristianismo,
reduzidos à condição de pecadores capitais, para os ideais materialistas de nossos tempos atuais, são criaturas
que devem ser banidas do ambiente povoado por homens enobrecidos pelo labor constante.
De fato, não podemos defender a preguiça em todas as suas faces, pois quando ela afeta o nosso
intelecto pode implicar males terríveis, como uma mediocridade que nos impede de ver o mundo com olhos
críticos ou de apreciar as muitas manifestações artísticas que constituem um patrimônio cultural, deixando-nos
apáticos para qualquer reflexão edificante sobre nós mesmos ou sobre o outro que integra nosso espaço de
convivência.
A defesa aceitável, com a qual deve concordar todos os preguiçosos, é de um torpor que toma conta do
corpo, um desejo de fechar os olhos e aproveitar-se de um momento de calma, quando não se deseja um único
movimento que requeira qualquer esforço, por menor que este possa parecer. E tal sentimento não pode se
condenado pelos conservadores que impuseram ao homem a crença de que o não fazer nada nos afasta da
condição de virtuosos, pois esse abandonar de obrigações por alguns instantes pode representar um sinal de que
é preciso descansar, e tal descanso impede um provável colapso.
Por mais que a preguiça pareça uma tentação diabólica, é preciso lembrar que ela é inerente à condição
humana. E, em nossa sensatez, nunca nos deixaremos seduzir a todo momento por essa manifestação natural,
apenas não podemos nos sentir pecadores ao pronunciarmos o “ai que preguiça”. No caso dos brasileiros,
atormentados pelo estigma de preguiçosos — segundo historiadores manipulados por uma equivocada visão
europeia —, eles não devem se envergonhar de condenarem seus trabalhos extenuantes e suas remunerações
miseráveis; também devem cultuar os feriados como dias sagrados, pois os descanso é invenção divina.
Em suma, a satanização da preguiça e de todos os seus sectários ganha uma imensa força na
hegemonia do capitalismo. Este atribui ao preguiçoso uma ameaça ao progresso econômico, trata-o como
promotor de todo atraso que possa assolar a sociedade. E crentes no fracasso individual, ao qual estaria fadado
todo aquele que aprecia o ócio, homens construídos de virtudes deixam-se guiar pelo ideal capitalista de que a
preguiça dever ser moralmente condenada, pois ela contraria a utopia das riquezas prometidas pela economia
global. Assim, o preguiçoso dever envergonhar-se, sentir-se uma pária diante daqueles que jamais deixam-se
seduzir pelos embalos da tentadora morosidade.

Ódio
Os filósofos da Antiguidade Clássica dispensaram uma notável atenção ao estudo das relações
humanas, dedicaram-se a escrever inúmeros tratados acerca dos vícios e das virtudes. E muitas abordagens
filosóficas foram feitas acerca do ódio. Este ocupou os tratados de estudiosos que jamais entraram em
desacordo sobre a irracionalidade contida na expressão do odiar, apontando a ameaça representada por esse
tipo de manifestação.
Certamente, odiar é humano, pois é próprio da humanidade experimentar as mais variadas expressões
de sentimentos, entre estas a cólera, porém esse sentimento dissemina implacáveis males entre as sociedades e
aumenta as angústias dos indivíduos. Em seu secular tratado sobre a cólera, Sêneca escreveu que o ato de
odiar é “pura excitação e dedica-se inteiramente à impetuosidade de seu ressentimento: ele não pode recuar
diante de um desejo ardente e inumano de combate, sangue e suplícios; indiferente a si mesmo, desde que
possa prejudicar os outros, o ódio se precipita sobre suas próprias armas, ávido de uma vingança que arrastará
consigo o vingador".
Essa concepção de tão notável pensador foi comprovada ao longo dos séculos assolados por guerras
intermináveis, quando estas se valeram do argumento da intolerância contra o outro, um ódio que não encontra
justificativa na razão, é apenas a expressão da insanidade de alguns norteados por uma ira implacável contra
culturas e povos diferentes acusados de representar um suposto atraso para a evolução dos humanos. Assim,
desencadeou-se o nazismo e tantas outras intolerâncias nascidas dele, exemplares inegáveis do crime de ódio.
Na atualidade, a perseguição pautada em instintos de ódios promove nefastos eventos, como a onda de
terrorismo que hoje levanta o questionamento sobre o sentimento de cólera que toma as consciências mundo
afora em um ritmo cada vez mais acelerado. Os atos terroristas exprimem a "pulsão de morte" que todos os seres
humanos alimentam no inconsciente, apontada nos escritos de Freud — o pai da psicanálise. Na teoria freudiana,
a agressividade humana, ou melhor, a impossibilidade de colocá-la em prática por conta das imposições da
cultura e do mundo civilizado, é um fator de frustração. Por isso "não é fácil aos homens abandonar a satisfação
dessa inclinação para a agressão. Sem ela, eles não se sentem confortáveis". Por causa dessa natureza
agressiva, as civilizações são assoladas por eventos odiosos como os ataques perpetrados por terroristas, cujas
práticas são a prova de que os ressentimentos contemporâneos induzem a inteligência humana a desprezar a
razão. E quando esta não está presente, racismos, chauvinismos e fanatismos disseminam o ódio.
Certamente, as mais variadas formas de odiar jamais abandonarão os povos, nenhuma civilização
escapará da ira de muitos insanos, todavia é necessário sublimar a agressividade e amenizar os ódios
promotores de tantos conflitos sociais, étnicos e religiosos, evitando-se assim o caos articulado por aqueles que
odeiam. E como forma de ilustrar a iminente ameaça apontada desde os tempos de clássicos pensadores, vale
citar Martin Heidegger: "depois de eclodir, o ódio não se dissipa, ele apenas cresce e se cristaliza, corrói e
devora nossa essência; essa inacessibilidade constante que se estabelece na existência humana pelo ódio não o
torna, porém, nem recluso, nem cego, mas lúcido e deliberado. A cólera faz perder o juízo. O ódio exacerba a
consciência e a capacidade de reflexão de quem o possui, até alcançar os requintes mais sutis de perversidade.”

Inveja, sentimento inseparável da condição humana
A tradição cristã classificou a inveja como um dos pecados capitais, o vício oposto à virtude da caridade,
um sentimento de tristeza diante do fato de que o outro tem aquilo que falta ao invejoso; trata-se de um mal na
medida em que compele o homem a agir para remediar essa angústia. Ao mesmo tempo, os humanos não
podem livrar-se da condição de invejosos, pois foram fadados a contemplar o outro e desejar uma condição que
julgam melhor que a observada em si mesmos. E apesar de alguns acreditarem que invejar pode representar
uma motivação para alcançar o êxito ou ascensão pessoal, esse desejo não é virtuoso porque não implica
alegrar-se diante do sucesso alheio.
Aniquilado pelas conquistas daquele que lhe é próximo, o invejoso sente-se um miserável e pode nutrir
um ódio implacável contra o gerador de sua angústia, pois este passa a ser um afronta contra a pretensa
dignidade daquele que o inveja. Em uma comparação desesperada, o sujeito inferiorizado não mais prospera,
porque passa longo tempo fazendo uma apreciação nefasta da prosperidade do alvo de seu olhar de cobiça. E
não mais prosperando, compromete não apenas a própria vida pessoal como a daqueles com os quais convive,
afinal pode destruir a felicidade de alguns.
Ainda que a inveja represente um impulso natural do homem — é comum a defesa de que não se pode
controlar a alegria pelo mal que acomete alguém —, esse vício é abominável, porque muitos passam a cultivá-lo
de uma forma patológica. Desse modo, são reduzidos a criaturas inferiores, pois não enxergam as próprias
virtudes, não se sentem dotados de qualquer mérito e elegem um alvo que, supostamente, reuniria todo os
objetos de seus desejos, invejando principalmente bens não-materiais, como inteligência, beleza, uma relação
amorosa feliz, uma boa reputação na sociedade. Trata-se de um sentimento destrutível, pois ao invejar, o homem
sente uma indignação diante de uma tragédia pessoal que ele mesmo fantasiou.
Contrariando o ideal da inveja como uma abominação, Descartes crê numa inveja justa: aquela que
deriva precisamente do reconhecimento de que não há justiça no mundo, ou de que a distribuição dos bens está
feita de tal modo que favorece àqueles que são incapazes de fazer um bom uso dos bens gratuitamente
recebidos. Alguém pode entristecer-se porque os recursos estão mal repartidos, tal repartição não obedece a
critérios racionais ou às necessidades de cada um. Outro pode entristecer-se por não haver justiça. A inveja, em
tal caso, seria boa e proveitosa, pois impulsionaria ações destinadas a remediar a injustiça.
Apesar da respeitável lógica cartesiana, não se pode confundir inveja com desejo de justiça, como o
confundem muitos estudiosos que apontam nos pobres as características dos invejosos. E acusá-los assim foge
de uma explicação muito coerente: a de que a inveja é tristeza pelo bem do outro, ódio e sede de destruição.
Considerar que exista uma inveja boa é acreditar que vícios possam produzir virtudes, um paradoxo que não
pode ser justificado, já que no mal não reside o bem.
Diante dessas interpretações da inveja — como paixão detestável, que produz ódio e destruição, e como
impulso para sanar as desigualdades existentes — muitos podem considerar que invejar pode ser aceitável se
considerados os motivos para isto. Se estes são racionais e justos, a inveja seria sã, pois tenderia a remover a
injustiça, enquanto que, se a causa for irracional, a inveja seria pecaminosa e destrutiva. Todavia, desde as
primeiras civilizações, o invejoso é condenado moralmente e socialmente, o que prova que não é nobre desejar
os bens ou méritos de outrem. E mesmo condenados a invejar, sujeitos virtuosos não se alimentam dessa paixão
tão odiosa.
Esta expectativa é uma adaptação do texto “A inveja, de pecado social à máscara da justiça. Prof. Dr. Jorge Trindade. Professor de
Psicologia da ULBRA (Universidade Luterana do Brasil).

Esportes
Os gregos deixaram para a humanidade um legado único na história de todas as civilizações: o esporte.
Não só diversas modalidades de competição que acabariam de tirar o sentido trágico das arenas que
sacrificavam pessoas, como a noção da integração dos povos a partir das competições esportivas. A cada quatro
anos, os gregos das mais diversas cidades-estado reuniam-se na cidade de Olímpia para a realização de várias
competições esportivas. Os jogos funcionavam como uma celebração em honra a Zeus, o mais importante deus
grego. O evento incluía provas de diversas modalidades esportivas, muitas delas ainda hoje praticadas em todo
o mundo, como corridas saltos, arremessos e lutas corporais.
As metas das competições, porém, são outras na atualidade. Os mundiais esportivos exaltam apenas ao
deus dinheiro. Por mais que se alardeie que o ideal é promover a irmandade entre as nações, estimular a
convivência harmônica entre as várias delegações representantes de seus países e contribuir com a inclusão
social, saúde e a educação, esses espetáculos são marcados por transações econômicas milionárias e uma ação
de uma mídia empresarial que está pronta para manipular as massas e fabricar mitos cujo objetivo é servir aos
interesses do mercado publicitário. Muitas vezes, também servem a campanhas que visam a limpar a imagem de
pátrias marcadas por gravíssimos atentados contra os direitos humanos.
Na Alemanha Nazista, o esporte e a estética dos atletas alemães serviram como cartão de visita à
campanha do regime hitleriano. E no momento em que a China anuncia-se como a mais nova promessa da
economia global, promove-se uma Olimpíada naquele cenário que nunca primou pela democracia, que executou
jovens em praças públicas enquanto as famílias pagavam a conta da munição usada para matar os próprios
filhos. Se Pequim já atrai a atenção por ser um notável polo do mercado globalizado, será palco da proposta de
paz representada pelas competições. Ao mesmo tempo, considerável parte de sua população continuará a ser
hostilizada e impedida de assistir aos eventos porque não pode pagar pelos ingressos. E o território chinês
receberá bilhões de dólares dos turistas e patrocinadores vindos de todo o mundo.
Vale citar que empresas pagam milhares de reais por um anúncio durante essas competições, o atleta é
imitado por crianças e jovens que desejam assemelhar-se àquele a quem os jornais chamam herói, e este vende
qualquer grife aos deslumbrados pelos espetáculos que distraem multidões. E no dias em que um país sedia uma
importante competição esportiva, todos os males sociais são esquecidos. Foi assim com o Brasil durante o Pan-
Americano: a idolatria aos atletas e a alienação diante das questões sociais ficaram evidentes. A tarefa dos
veículos de comunicação era trabalhar a autoestima e a construção da imagem do país — essencialmente do Rio
de Janeiro —, e foram relegadas a segundo plano questões como a violência e a falta de infraestrutura no país.
De fato, o esporte não é um meio de resolver dilemas sociais, todavia não deve ser reduzido a um show que
deslumbra as massas e estas não devem ser iludidas por jargões entoados pelos comentaristas da área.
Inegavelmente, a superação de limites, a valorização da tecnologia, a consolidação de identidades
nacionais, a busca de uma emoção controlada, o exaltar do conceito de beleza, entre outras expectativas,
caminham junto à prática social do esporte por todo o mundo. E tudo isso denuncia o espaço social que ele
ocupa atualmente. Todavia, não deve ser tratado segundo o senso comum de que “esporte é saúde”, “esporte é
inclusão social”, pois nas formas como ele se organiza não é saúde e nem promove a inclusão. No Brasil, por
exemplo, os programas esportivos de televisão privilegiam certos esportes que são destinados, na maioria das
vezes, a homens e jogadores profissionais. Assim, cerceiam, com essa cultura, outros esportes e a inclusão de
segmentos da sociedade, como idosos e mulheres. Com a falta de apoio às várias categorias esportivas e a
exclusão de certas camadas sociais em algumas modalidades vistas como esportes de elite ou somente
praticado por algum gênero, as possibilidades de expansão dessas categorias desportivas profissionais se
tornam limitadas.
Mesmo diante de tantos impasses, as práticas esportivas associam-se a uma paixão globalizada,
fomentada pelos comentaristas da televisão e pela promessa de ascensão econômica que representam a tantos
jovens de países pobres. Por outro lado, poucos são os que conseguem ascender por seus méritos atléticos,
porque além do talento, é preciso ser eleito pela mídia voraz em assegurar os próprios lucros. Estes são uma
afronta aos antigos gregos que se contentavam com a glória representada pela coroa de louro. O que se tem
hoje é um evento que se aproxima da proposta desenvolvida pelos romanos, para os quais importava mais o
espetáculo em si, as competições eram apenas uma festa para se assistir e alienar o povo diante da realidade
social.
Esta expectativa é uma adaptação dos textos A Glória Olímpica Grega. In História Ilustrada da Grécia Antiga. Editora Escala e Sede
verde amarela. Cathia Abre. Revista Sociologia. Editora Escala. Ano I. Número 9.

Apegar-se à juventude impede alcançar uma velhice feliz?
Na concepção do homem pós-moderno, o tempo surge como um dos inimigos mais implacáveis, contra o
qual nada se pode fazer. Assim, o avançar dos anos parece, para muitos, querer furtar os melhores momentos da
vida, impedindo qualquer ação contrária a esse roubo executado pelas horas transformadas em décadas. E esta
sensação de impotência causa um imenso pavor, além de implacáveis desgostos.
Uma vez que não se pode barrar o correr do tempo, resta colocar-se diante do espelho e buscar nas
faces envelhecidas uma biografia que implique a construção de uma existência norteada pela sabedoria, pela
compreensão do ideal de que envelhecer é tão natural quanto nascer. Se o passado aponta para um existir
dotado de feitos nobres, a idade madura não pode assustar. Cabe citar aqui Marco Túlio Cícero, filósofo da
Antiguidade Clássica, para o qual somente os idiotas se lamentam de envelhecer.
O fato é que homens e mulheres da pós-modernidade são constantemente atormentados pela imposição
da eterna obrigação de parecer jovem. Assolados pelos ideais de uma sociedade hedonista, em que prevalece o
culto ao efêmero, muitos indivíduos — entregues a uma infantilização brutal — enxergam na corrida dos tempos
uma maldição, uma capitulação, e olham com horror o próprio reflexo, recusando-se a uma condição inerente à
mortalidade.
Nessa seara de temor e de negação diante da simplicidade da natureza, que marca todos os rostos com
uma metamorfose inexorável, crescem as promessas da ciência que ingressou em uma busca obstinada pela
eterna fonte da juventude, e muitos são os cidadãos que se entregam a tratamentos arriscados na ilusão de
parecerem mais jovens do que são. Apesar disso, são rejeitados pela parcela jovem da população que não
deseja a convivência com os velhos, também são ridicularizados pelos que ingressaram na idade madura
assumindo a condição humana de que envelhecer é preciso. E vivem, assim, em uma tristeza perene.
Mesmo os sábios não fazem apologia ao envelhecimento, porém compreendem que ingressaram na
idade da razão, buscam a serenidade comum ao sujeito vivido e passam mais tempo exercitando o intelecto de
que preocupados com a expectativa de vida que ainda lhes resta, o que pode lhes trazer o contentamento. Já
não se entregam mais aos impulsos e aos desejos mais prementes, cultivam os prazeres prosaicos, como a
convivência com os netos, com os livros; dedicam-se ao recolhimento que não implica afastar-se do convívio
social, apenas resguardam-se de aborrecimentos que lhes ocuparam boa parte da existência.
Diante desse envelhecer sereno, resta às pessoas inteligentes gozar da tranquilidade da velhice,
buscarem uma forma de serem felizes, apesar das limitações impostas por um corpo débil. Aos tolos, ficam os
lamentos por tempos que não voltam mais, restam-lhes o pavor da idade senil, a abominação frente a perda do
vigor da juventude e a crença de que envelhecer é apenas a proximidade da tão temida morte, mergulhando,
assim, em uma tristeza interminável.
Todos os textos são de autoria do Curso Palavra. ROCHA, Val Moreira. Inédito.

Este material está registrado em cartório sob a Lei dos Direitos Autorais. Assim, “é vedada a reprodução deste material — seja para fins didáticos ou comerciais — sem a devida autorização da autora. LEI Nº 9.610, de 19 de fevereiro, 1998.