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sexta-feira, 18 de março de 2016

FUVEST: IRACEMA JOSÉ DE ALENCAR (1865)

IRACEMA

JOSÉ DE ALENCAR (1865)

“Lenda do Ceará”

PERSONAGENS LIGADAS À TRIBO TABAJARA (“Senhores das aldeias”, habitavam o interior das matas do Ceará)

1) Iracema – Era uma espécie de sacerdotisa da tribo Tabajara; a ela foi destinado o “segredo da jurema” e seu nome significa “lábios de mel”. Tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era mais doce que seu sorriso, nem a baunilha rescendia no bosque como seu hálito perfumado”. Era mais rápida que a ema selvagem. Demonstrou muita coragem e sensibilidade. Revelou-se amiga, companheira, amorosa, amante, submissa e confiante. Renunciou tudo pelo amor de Martim. Representa a América virgem explorada pelo colonizador europeu.
2) Araquém – Era o pai de Iracema, o líder espiritual da tribo, um pajé. Tinha os olhos cavos e rugas profundas, compridos e raros cabelos brancos. Era um grande conselheiro e tinha o dom da sabedoria e da liderança. Seu nome significa “pássaro que dorme”.
3) Andira - Irmão do pajé Araquém. Provou ser um grande e impetuoso guerreiro. É o velho herói. O feroz Andira bebeu mais sangue na guerra do que beberam já tantos guerreiros. Ele viu muitos combates na vida, escalpelou muitos pitiguaras. Nunca temeu o inimigo. Seu nome significa "morcego".
4) Caubi - Irmão de Iracema. Tinha o ouvido sutil, era capaz de pressentir a boicininga (cascavel) entre rumores da mata; tinha o olhar que melhor vê nas trevas. Era bom caçador, corajoso, guerreiro destemido que não guardou rancor da irmã, indo visitá-la na sua choupana distante. Seu nome significa “Senhor dos caminhos”.
5) Irapuã - Chefe dos tabajaras, manhoso, traiçoeiro, ciumento, corajoso, valente, um grande guerreiro. Estava sempre lembrando Iracema sobre a necessidade de se conservar virgem, pois ela guardava o segredo de Jurema. O seu nome significa "mel redondo". De certa forma, Irapuã representa, com sua oposição, um esforço no sentimento de guardar e preservar as tradições indígenas.
6) Jandaia: Era uma arara de estimação de Iracema;
7) Tapuias: Eram os franceses, aliados dos tabajaras, significa “inimigo estrangeiro”.

PERSONAGENS LIGADAS À TRIBO PITIGUARA (“Senhores dos vales”, habitavam o litoral do Ceará);

8) Martim - Martim Soares Moreno: Personagem real. Um português que veio numa expedição ajudar a fundar uma cidade no Estado do Ceará, por volta de 1604. Seu nome está ligado a Marte, deus da guerra na mitologia, por isso pode ser traduzido como “filho da guerra” ou “filho de guerreiro”. Era amigo dos pitiguaras, principalmente de Poti. Durante a obra, é batizado com o nome tupi de Coatiabo, que significa “guerreiro pintado”. “Tinha nas faces o branco das areias que bordam o mar, nos olhos o azul triste das águas profundas, os cabelos do sol”. Corajoso, valente, audaz, representa bem o branco conquistador, que se impôs aos índios na colonização do Brasil.
9) Poti: Um dos chefes da tribo Pitiguara, melhor amigo de Martim, a quem considerava irmão. Seu nome significa “camarão”. Era Prudente, valente, audaz, livre, ligeiro e muito vivo. No final, foi batizado como Antônio Felipe Camarão.
10) Jacaúna – Irmão de Poti, o grande chefe dos pitiguaras, senhor das praias do mar. O seu colar de guerra, com os dentes dos inimigos vencidos, era um brasão e troféu de valentia. Era corajoso, exímio guerreiro, forte. Seu nome tem o significado de "jacarandá-preto".
11) Jatobá: Pai de Jacaúna e Poti (é relembrado pelos filhos, morreu há muito tempo);
12) Batuireté - Pai de Jatobá, avô de Poti e Jacaúna. Tinha 120 anos e morava isolado em uma serra que recebera o nome de  Maranguab que significa “sabedor de guerra”. Batuireté significa “grande mergulhador” ou "valente nadador".. Faleceu quando conheceu Martim.Tinha a cabeça nua de cabelos, cheio de rugas, Morava numa cabana na Serra do Maranguab.
13) Moacir - o nascido do sofrimento, o "filho da dor". É, na alegoria de Alencar, o primeiro brasileiro - fruto da união do branco com o índio. Mal nasceu, já exilava da terra que o gerou. Estaria nisso a predestinação errante da gente nordestina?
14) Jaguaraçu: Chefe de uma pequena tribo de caçadores, descendente dos pitiguaras;
15) Camoropim: Chefe de uma pequena tribo de pescadores, descendente dos pitiguaras;
16) Saí: Mãe de Poti e Jacaúna. Também já está morta na história. Seu nome significa pássaro de linda plumagem e belo canto.
17) Japi: Cachorrinho do mato (rafeiro), bicho de estimação de Poti. Seu nome significa “nossos pés”. Ele sempre acompanha Poti e Martim;
18) TUPINAMBÁS – “Filhos de Tupã”, aliados aos holandeses que eram chamados de Guaraciabas (cabelos de sol). Inimigos dos tabajaras e dos pitiguaras.



RESUMO DO ENREDO

            Durante uma caçada, Martim se perdeu dos companheiros pitiguaras e se pôs a caminhar sem rumo durante três dias. No interior das matas, pertencentes à tribo dos tabajaras, Iracema deparou-se com Martim. Surpresa e amedrontada, a índia feriu o branco no rosto com uma flechada. Ele não reagiu. Arrependida, a moça correu até Martim e ofereceu-lhe hospitalidade, quebrando com ele a flecha da paz.
            Martim foi recebido na cabana de Araquém, que ali morava com a filha. Ao cair da noite, Araquém havia deixado seu hóspede sozinho, para que ele fosse servido pelas mais belas índias da tribo. O jovem branco estranhou que entre elas não estivesse Iracema. Ela explicou que não poderia servi-lo porque era “a virgem de Tupã”, sacerdotisa a quem fora destinado o segredo da jurema, bebida oferecida ao pajé e aos guerreiros.
            Naquela noite, os tabajaras recepcionavam festivamente seu grande chefe Irapuã, vindo para comandar a luta contra os inimigos pitiguaras. Aproveitando-se da escuridão, Martim resolveu partir. Ao penetrar na mata, surgiu-lhe à frente o vulto de Iracema. Visivelmente magoada, ela o seguira. Interroga-o se alguém lhe fizera mal, para fugir daquela forma. Percebendo sua ingratidão, Martim se desculpou. Iracema pediu-lhe que esperasse a volta de seu irmão Caubi, que o guiaria pela mata. O guerreiro branco voltou com Iracema e dormiu sozinho na cabana.
            Na manhã seguinte, incitados por Irapuã, os tabajaras se prepararam para a guerra contra os pitiguaras, que estavam permitindo a entrada dos brancos. Martim foi passear com Iracema. Ele estava triste; ela lhe perguntou se eram saudades da noiva, que deixara para trás. Apesar da negativa de Martim, a moça o levou para um bosque silencioso e prometeu fazê-lo ver a noiva; deu-lhe gotas de uma bebida que ela preparou. Após tomá-las, Martim adormeceu e sonhou com Iracema; inconsciente, ele pronunciou o nome da índia e abraçou-a; ela se deixou abraçar e quase se beijaram. Mas apareceu Irapuã, que declarou amor à assustada moça e ameaçou matar Martim. Diante da violenta reação dela, que protegia o estrangeiro, Irapuã se foi, ainda mais apaixonado. Iracema temia pela vida de Martim.
            Na manhã seguinte, ao anunciar-lhe que ele poderia partir logo, Martim percebeu a Iracema tristeza da selvagem. Para fazê-la voltar à alegria, ele disse que ficaria para amá-la. Mas a índia lhe informou que quem se relacionasse com ela morreria, porque, por ser filha do pajé, guardava o segredo da jurema. Ambos sofriam com a ideia da separação.
            Seguindo Caubi, Martim partiu triste, acompanhado por Iracema, também triste. Com um beijo, os dois se despediram e o branco continuou sua caminhada somente com Caubi. Irapuã, à frente de cem guerreiros, cercou os caminhantes para matar Martim. Caubi se opôs e soltou o grito de guerra, ouvido na cabana por Araquém e pela filha. Esta correu e assistiu à cena: Irapuã ameaçava Martim, que se mantinha calmo. A moça quis persuadi-lo a fugir, mas ele não aceitou a ideia, pois pretendia enfrentar Irapuã. Caubi provocava o enciumado tabajara para lutar com ele.
            Quando Irapuã e Caubi iam começar uma luta corpo a corpo, ouviu-se o som de guerra dos pitiguaras, que vinham atacar os tabajaras. Chefiados por Irapuã, os índios correram para enfrentar o inimigo. Só Iracema e Martim não se movimentaram. A partir daí fica sugerido que Martim regressara à cabana de Araquém com Iracema e Caubi.
            Como não encontrasse os pitiguaras – provavelmente escondidos na mata, Irapuã achou que o grito de guerra fora um estratagema usado por Iracema para afastá-lo de Martim. Então foi procurá-lo na cabana de Araquém.     Protegendo seu hóspede, o velho pajé ameaçou matar Irapuã se ele levantasse a mão contra Martim. Enfurecido, Irapuã alerta Araquém para o fato de que Iracema já teria  abandonado a flor de seu corpo ao estrangeiro; o velho pajé avisa que se isso realmente aconteceu, Iracema haveria de morrer, porém o hóspede Martim estava protegido por Tupã.
            Para afastar o irado chefe, Araquém provocou o ronco da caverna que os índios acreditavam ser a voz de Tupã, quando discordava dos acontecimentos terrrenos. Na verdade, esse ronco era um efeito acústico que Araquém forjava. Mediante isso, Irapuã se afastou. Iracema fica feliz por ver salvo Martim, mas este pede a ela que se afaste, pois a voz de Tupã ressoada na fenda seria um aviso.
            No silêncio da noite, ouviu-se na cabana de Araquém o grito semelhante ao de uma gaivota. Iracema disse ser o sinal de guerra dos pitiguaras; Martim reconheceu o som que emitia seu amigo Poti. Iracema ficou com medo porque a fama da bravura de Poti era conhecida e temida. Ele estaria vindo para libertar seu amigo, destruindo os tabajaras? A moça ficou triste, mas garantiu fidelidade a Martim, mesmo à custa da morte de seus irmãos de raça. O branco tranquilizou-a, afirmando que fugiria, para evitar o conflito.
            A índia foi encontrar-se com Poti para lhe dizer que Martim iria com ele, escondido, a fim de evitar um conflito das tribos inimigas. Antes de sair, ela ouviu do pai, em segredo, a recomendação de que, se os comandados de Irapuã viessem matar Martim, ela o escondesse no subterrâneo da cabana, vedado por uma grande pedra. Não era prudente Martim afastar-se às claras porque poderia ser seguido.
            Iracema encontra-se com Poti à beira de um tanque (lago) e depois de conversarem ela regressa para avisar a Martim que seu amigo o espera, para partirem dali.
            Caubi alerta a irmã e Martim sobre as intenções dos tabajaras: tencionavam matar o branco. Iracema pediu ao irmão que levantasse a pedra para que ela e Martim pudessem entrar no esconderijo. Assim é feito, e Caubi fica de guarda.
            Irapuã chegou à porta da cabana, acompanhado de seus subordinados, todos bêbados, e discutiu com Caubi. Nesse instante, reboou o trovão de Tupã. O vingativo chefe não se acalmava. Reboou mais uma vez o trovão, que os índios entenderam como sendo a ameaça de Tupã. Cercaram o chefe e o levaram de lá, amedrontados.
            No interior da caverna, Iracema e Martim ouviram a voz de Poti, embora sem vê-lo, saindo pela crasta da gruta. Ele lhes declarou que estava vindo sozinho para levar Martim, seu irmão branco. Por sugestão de Iracema, ficou combinado que Martim fugiria ao encontro de Poti somente na mudança da lua (“lua das flores”), ocasião em que os tabajaras estariam em festa, embebidos pelos “sonhos alegres” fornecidos pelo pajé, e assim ficaria mais fácil os dois evitarem o encontro com o irado Irapuã.
            À noite, na cabana, ausente Araquém, Martim, ao lado de Iracema, não conseguia dormir: desejava-a, mas ela era proibida. Ele lhe pediu que trouxesse vinho para apressar o sono. Dormiu e sonhou com Iracema, chamando-a; ela continuou acordada. Ainda dormindo, o estrangeiro sonhou que se abraçavam, sendo que Iracema o abraçou de verdade.    Na manhã seguinte, Martim se afastou da moça, dizendo que só poderia tê-la em sonho. Ela guardou o segredo do abraço real e foi banhar-se no rio. Mal sabia Martim que Tupã havia acabado de perder sua virgem.
            No final da tarde, quando a lua apareceu, os tabajaras se reuniram em torno do pajé, levando-lhe oferendas. Iracema dirigiu-se à cabana do pai para buscar Martim e conduzi-lo até Poti que o aguardava escondido a fim de levá-lo, livrando-o de Irapuã. Iracema os acompanhou até o limite das terras tabajaras. Quando Martim insistiu em que ela retornasse para a tribo, ela lhe revelou que não poderia fazer isso, porque já era sua esposa. Surpreso, Martim ficou sabendo que tinha sido realidade o que sonhara.
            Ao escurecer, interromperam a caminhada e Martim passou a noite na rede com Iracema. Ao raiar da manhã, Poti, preocupado, chamou-os, alertando que os tabajaras já estavam se aproximando. Informação que ele colheu escutando as entranhas da terra. Envergonhado, Martim pediu que Poti levasse Iracema e o deixasse só, pois ele merecia morrer. O amigo disse que não o largaria. Iracema apenas sorriu e continuou com eles.
            Irapuã e seus comandados chegaram ao local onde estavam os fugitivos. Acorreram também os pitiguaras, sob a chefia de Jacaúna. Travou-se o inevitável combate. Jacaúna atacou Irapuã; Caubi, agora com ódio do raptor de sua irmã, atacou Martim, mas, a pedido de Iracema, o branco simplesmente se defendeu, pois ela disse que, se Caubi tivesse que morrer, isso aconteceria pelas mãos dela. Então, Martim deixou Caubi por conta de Poti (que já havia matado vários tabajaras) e enfrentou Irapuã, afastando Jacaúna. A espada de Martim espatifou-se no choque com o tacape. Quando Irapuã avançou contra o banco desarmado, Iracema arrojou-se contra o chefe tabajara e o impediu de prosseguir a luta.            Nesse instante, soou o canto de vitória: Jacaúna e Poti haviam vencido. Os tabajaras fugiram, levando Irapuã com eles. Iracema chorou vendo seus irmãos de raça mortos.
            Poti retornou à sua taba, às margens do rio, feliz por ter salvo seu irmão branco. Iracema estava triste por ficar hospedada na trigo inimiga de seu povo. Ciente disso, Martim resolveu procurar um lugar afastado para morarem. Puseram-se a caminho o casal e Poti, que fez questão de acompanhá-los. Acharam um local apropriado. Martim pensava em trazer seus soldados para se aliarem aos pitiguaras contra os tabajaras.
            Poti relata a Martim a história de seu avô Batuireté (Maranguab) que ainda vive, já bem velho, em uma serra distante e convida-o para conhecê-lo, pois é um “grande sabedor de guerra”. Foram os três e o velho Batuireté, com 120 anos, falece depois de conhecer Martim.
            Na nova rotina diária, Poti e Martim caçavam, Iracema colhia frutas, passeava pelos campos, arrumava a cabana, sempre na expectativa da volta de Martim. Grávida, ela aguardava a hora do parto e já não sentia mais contrariedade por ter saído de sua nação. Com festas, Martim foi introduzido na tribo pitiguara adotando o nome de Coatiabo (“gente pintada” ou “guerreiro feito”).
            Com o passar do tempo, Coatiabo começou a entrar em depressão. Iracema não o fascinava tanto. Ele vivia mais afastado, tomado pelas lembranças do passado anterior à vida na selva. Ficava olhando as embarcações passando a longe no mar, sem dar muita atenção à índia.
            Certo dia, chegou até à região dos três um índio que, a mando de Jacaúna, convocou Poti para a guerra: uns brancos haviam se aliado a Irapuã para combater os pitiguaras. Martim fez questão de ir com o amigo.
            Os dois guerreiros partiram sem se despedir de Iracema. Ao caminharem ainda no território de sua nação, à beira de um lago, Poti fincou no chão uma flecha de Martim e atravessou nela um goiamum que ele acabara de abater, sabendo que a índia, ao ver a seta daquele jeito, entenderia o sinal de que o esposo havia partido. Martim entrelaçou nela uma flor de maracujá. De fato, quando Iracema foi se banhar no dia seguinte, viu a flecha, entendeu seu significado e chorou. Voltou triste para a cabana. Todos os dias ela retornava e tinha confirmação de que Martim estava longe. Seus dias passaram a ser muito tristes. Numa dessas manhãs, ouviu o som da jandaia que a acompanhava quando morava entre os seus. Comoveu-se, arrependeu-se de havê-la deixado para trás e de novo a tornou sua amiga de todas as horas.
            Os dois guerreiros retornaram da batalha, vitoriosos. Graças à participação de Martim, que atuou eficazmente, os pitiguaras venceram, pois, sem a cooperação da raça branca, haveria o empate das forças indígenas adversárias.
            De novo em sua cabana, Martim e Iracema se amaram como no início de seu relacionamento. Aos poucos, porém, ele voltou a se isolar triste, olhando para os horizontes infinitos do mar, com saudade de sua gente. Iracema se afastava, também triste. Martim sabia que, se voltasse para sua terra, ela o acompanharia; então, ele estaria tirando dela um pedaço de sua vida, que era a convivência com seus parentes e amigos nas selvas.
            Martim negava que estivesse com saudade da namorada branca que deixara em sua terra, mas a tristeza de Iracema crescia porque ela não acreditava na negativa dele; então a desconsolada índia prometia que sairia da sua vida tão logo nascesse o filho.
            Um dia, apareceu no mar, ao longe, um navio dos guerreiros brancos que vinham aliar-se aos tupinambás para lutarem contra os pitiguaras. Poti e Martim armaram uma estratégia de defesa. Esconderam seus guerreiros e atacaram os inimigos de surpresa. A vitória foi retumbante.
            Enquanto Martim estava combatendo, Iracema teve sozinha o filho, a quem chamou de Moacir, filho da dor. Certa manhã, ao acordar, ela viu à sua frente o irmão Caubi, que, saudoso, vinha visitá-la, trazendo paz. Admirou a criança, porém surpreendeu-se com a tristeza da irmã, que pediu a ele que voltasse para junto de Araquém, velho e sozinho.
            De tanto chorar, Iracema perdeu o leite para alimentar o filho. Foi à mata e deu de mamar a alguns cachorrinhos; eles lhe sugaram o peito e dele arrancaram o leite copioso para voltar a amamentar. A criança estava se nutrindo, mas a mãe perdera o apetite e as forças, por causa da tristeza.
            No caminho de volta, findo o combate, Martim, ao lado de Poti, vinha apreensivo: como estaria Iracema? E o filho? Lá estava ela, à porta da cabana, no limite extremo da debilidade. Ela só teve forças para erguer o filho e apresentá-lo ao pai. Em seguida, desfaleceu e não mais se levantou da rede. Suas últimas palavras foram o pedido ao marido de que a enterrasse ao pé do coqueiro de que ela gostava tanto. O sofrimento de Martim foi enorme, principalmente porque seu grande amor pela esposa retornara revigorado pela paternidade. O lugar onde se enterrou Iracema veio a se chamar Ceará.
            Martim retornou para sua terra, levando o filho. Quatro anos depois, eles voltaram para o Ceará, onde Martim implantou a fé cristã. Poti se tornou cristão (batizado como Antônio Felipe Camarão) e continuou fiel amigo de Martim. Os dois ajudaram o comandante Jerônimo de Albuquerque a vencer os tupinambás e a expulsar o branco tapuia. De vez em quando, Martim revia o local onde fora tão feliz e se doía de saudade. A jandaia permanecia cantando no coqueiro, ao pé do qual Iracema fora enterrada. Mas a ave não repetia mais o nome de Iracema. "Tudo passa sobre a terra."
     
LINGUAGEM
A linguagem é extremamente poética e descritiva, carregada de adjetivos, metáforas, símiles (figuras de comparação) e dípticos (símiles ampliados) que associam as personagens aos elementos da natureza.
Perpassada de um tom bem brasileiro; não só o farto vocabulário indígena o exemplifica, como também muitas construções sintáticas que revelam bem o jeito brasileiro de usar a língua portuguesa.
Chamado de "poema em prosa" pela crítica, dado o ritmo e cadência de Iracema, mais de um autor procurou demonstrar o caráter de poesia do livro. Realmente, sobretudo a belíssima abertura do livro é marcada por um ritmo cadenciado, podendo as palavras ser distribuídas em versos de um poema tradicional:



Verdes mares bravios (6 sílabas)
de minha terra natal, (7)
onde canta a jandaia(6)
nas frondes da carnaúba; (7)
Verdes mares que brilhais (7)
como líquida esmeralda (7)
aos rios do sol nascente, (7)
      perlongando as alvas praias (7)
      ensombradas de coqueiros; (7)
      Serenai, verdes mares, (6)
      e alisai docemente (6)
      a vaga impetuosa, (6)
      para que o barco aventureiro (8)
      manso resvale à flor das águas.” (8)


    
ORGANIZAÇÃO

1) Composto de trinta e três capítulos curtos, Iracema vem precedido de um prólogo e encerrado por uma "carta ao Dr. Jaguaribe", em que Alencar expõe os motivos patrióticos e sentimentais que o levaram a escrever o livro.
2) A ação do romance se desenvolve no Ceará, nos primórdios do século XVII, e se apóia em fatos históricos verdadeiros. Martim, o protagonista masculino da história, é Martim Soares Moreno, que deixou o seu nome inscrito na colonização do Brasil. Sua amizade a Poti e Jacaúna, chefe dos índios do litoral, foi decisiva para a conquista da região, que viria a ser o Ceará.
3) O narrador está em 3ª pessoa onipresente e onisciente: sabe tudo que se passa ao seu redor. Focalizando uma época que revela o início da colonização do Brasil, a visão em terceira pessoa, é sem dúvida, a mais adequada e coerente.
5) Sem dúvida, a obra de José de Alencar se enquadra no estilo de época romântico em que se destaca o indianismo, que foi uma das formas mais significativas assumidas pelo nacionalismo romântico.
Podemos citar várias características do Romantismo, presentes na obra: 
a) O culto e a exaltação da natureza;
b) A idealização de índio como um ser nobre, valoroso, fiel e cavalheiro;
c) Sublimação do amor e idealização da mulher;
d) Sentimentalismo amoroso configurado na temática amor e morte;
e) A concepção amorosa a partir dos sentimentos puros e castos.

ASPECTOS TEMÁTICOS MARCANTES

1) Um dos propósitos de Alencar, ao conceber Iracema, foi, sem dúvida, mostrar como se deu a formação do Ceará, seu Estado natal - a terra onde "canta a jandaia", como significa "Ceará" ao pé da letra, e explica o autor: "Ceará é nome composto de cemo - cantar forte, calmar, e ara - pequena arara ou periquito".
2) Como se viu pelo enredo, Moacir, filho do cruzamento do branco (Martim) com o índio (Iracema), é o "primeiro cearense". A conquista da terra pelo branco, ocorrida nos primórdios do século XVII, deu-se através de lutas sangrentas em que os portugueses contaram com a valiosa ajuda dos índios pitiguaras, que habitavam o litoral.
3) Ao retratar o mundo selvagem e primitivo dos índios, Alencar reveste a sua prosa de um tom poético e ingênuo, , tentando, assim dar uma visão da realidade focalizada a partir da ótica do índio: as imagens, as comparações, a forma de exprimir mostram o índio integrado no seu “habitat” natural e como que sugerem o nascimento de um mundo novo; penetrando nas entranhas da terra virgem e selvagem, o branco conquistador faria brotar uma nova raça.
4) Conforme vem explicado em “Literatura comentada”(“Abril Educação”), “todas as imagens de que Alencar se utiliza para se referir a Iracema são retiradas da natureza local, identificando Iracema claramente com essa natureza, fazendo-a símbolo do Brasil e, por extensão, da América. Um crítico já observou que Iracema é anagrama da América, isto é, Iracema tem exatamente as mesmas letras de América, só que em outra ordem. Assim, simbolicamente, a morte da índia, no final da estória, pode representar a aniquilação da cultura nativa pela invasora que conquista domina a terra”.
5) Apresentando o índio integrado de forma harmoniosa à natureza, como é comum na visão romântica, Alencar, obviamente filtrando a realidade pela ótica do português, não mostra claramente a ação devastadora do conquistador branco. Conforme observa Zenir Campos Reis, da USP, “Martim, o guerreiro do mar, vai pertubar a harmonia do índio no seu habitat natural. Seus silêncios encobriam a palavra domínio. Para ele, a adesão à terra não podia ser senão momentânea. Seu objetivo era subjugá-la, pela sedução ou pela violência. Ele era o primeiro agente de um processo de corrosão lento e insinuante, violento às vezes, que se chamou, sucessivamente, catequese, progresso, desenvolvimento.”
6) De sentido igualmente simbólico se reveste a oposição de Irapuã ao hóspede branco, protegido por Araquém (Martim). Ao opor-se a ele, o guerreiro tabajara não quer defender o amor que nutria pela virgem dos lábios de mel; sua resistência é, antes, em defesa da preservação da cultura indígena e do “segredo de Jurema”. Do qual Iracema era guardiã. Violada a sua virgindade pelo invasor branco, fatalmente as tribos seriam dizimadas e aniquiladas.
7) Assim, embora possa parecer o “vilão da estória”, opondo-se a Martim, o gesto de Irapuã reveste-se de nobreza e grandeza, pois outro lado, a conduta de Iracema (e também Poti), que se aliam ao conquistador branco, é passível de condenação. Como se viu, Iracema morre, desfigurada pela dor e pelo estrangulamento cultural; Poti, descaracterizado e tornado cristão, recebe o batismo de gente civilizada e passa a se chamar Antônio Felipe Camarão...


(Organização: Profª Luci Rocha)